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Tive que achar motivos de olhar para frente

Tive que achar motivos de olhar para frente

Foi com um simples toque de autocuidado que Hipólita percebeu que algo estava diferente com a sua saúde. Ao longo do tratamento de câncer de mama, o bom-humor, esperança e fé ocuparam ainda mais lugar em sua vida. Foi a forma que ela encontrou de superar o diagnóstico.

Costumo dizer que nós, mulheres somos multi, nos dividimos em várias, fazemos diversas coisas, e não raro, ao mesmo tempo. A casa, os filhos, o trabalho tomam conta de nossa rotina. Mas o autocuidado deve fazer parte do ritual de toda mulher.

O ano era 2017. Assim, num olhar mais cuidadoso diante do espelho, fazendo o autoexame, reparei que um dos meus seios estava diferente. Além da minha pele parecer “enrugadinha”, apresentava uma certa assimetria. Corri ao marido, e tirei a dúvida, se ele também estava vendo o mesmo que eu, afinal ele é a pessoa em quem mais confio na vida. Imediatamente marquei a consulta com minha ginecologista, e combinamos de adiantar a mamografia e outros exames de imagem, que fazia com regularidade desde os meus 35 anos.

O HNSG na minha vida

Quando chegaram os resultados dos exames foi um choque. Nada te prepara para um resultado inesperado, e uma notícia ruim é uma notícia ruim até você encontrar motivos que a tornem mais amena. Ali estava o meu diagnóstico: “Carcinoma ductal infiltrante bem diferenciado”.

Fui encaminhada para o atendimento junto aos mastologistas Dr. Cleverton Spautz e Dr. Cícero Urban, bem como à uma hematologista. Graças à esta equipe me acalmei, e fui posicionada acerca do caminho que eu iria percorrer do início do tratamento, com as sessões de quimio, que deveriam reduzir o tumor, até a conclusão, com a mastectomia e reconstrução do seio direito.

Neste momento, foi de crucial importância entender e aceitar que os tratamentos na atualidade são muito mais modernos, prescritos de forma individualizada, as drogas já passaram por estágios de desenvolvimento tecnológico, os riscos são menores, e principalmente, o que será ministrado para mim, não é o mesmo que para Joana. Foi igualmente importante ser informada que dos vários tipos de câncer de mama, somente um tipo tem estudos adiantados com grande chance de cura e poucos casos de metástase: era o meu caso! Neste momento, me senti estranhamente sortuda.

Nesta primeira fase de descoberta, exames infindáveis, consultas com especialistas, pude perceber o quão grande é o estigma envolto na palavra câncer, quanto mais na doença em si. Há pessoas que preferem nem o pronunciar; eu mesma via o “talzinho” como uma sentença de morte! Daí o choque inicial…dar de cara com o conceito de finitude da vida.

Longe de minimizar a doença e justificar o medo, acredito que tal conotação negativa e depreciativa da palavra “câncer” encontra explicação no fato de ser uma doença silenciosa, que em muitos casos não dói e o próximo não vê aparentemente.

Passada a fase do mimimi e chororô que durou um dia e meio com poucos intervalos, achei motivos de sobra para olhar para frente e buscar o próximo passo, dentre tantos que haveriam de ser dados. Em casa havia 3 grandes motivos: meu marido, meu filho adolescente, com então 17 anos e minha pequena florzinha de maracujá, minha filhinha com quatro anos e Síndrome de Down.
Apoiada por eles e cercada por profissionais atentos, e que percebi, preocupados não só com a paciente, mas também com a mulher, um indivíduo único que naquele momento estava sentindo-se sem chão, saquei mão de ferramentas pessoais que estavam ao meu alcance: o bom humor, a esperança e a fé. Esta última redescobri olhando para dentro de mim mesma, em vários momentos de reflexão que a doença me trouxe. Uma fé maior do que tudo, que me tranquilizava e me acolhia sempre que foi preciso.

Longe de ser piegas, ou cair no clichê, a história em que narra as quatro pegadas num caminho ao longo da areia da praia e lá pelas tantas apenas duas, foi verdadeira e válida para mim. Acredito que devo ter sida carregada inúmeras vezes, mormente em todos os pits stop feitos no pronto Atendimento do Hospital Nossa Senhora das Graças.

Por mais que minha maturidade me dizia que haveria dias de tormenta, mar revolto e muito vento, a fortaleza viria de algo maior, que estaria acima de tudo: simplesmente a minha fé. Aprendi que de nada me adiantaria antecipar sofrimentos e angústias e que a paciência seria uma das virtudes mais necessárias; os dias deveriam seguir, um de cada vez.

Escrever e ler: terapias coadjuvantes

Sou daquelas pessoas que gostam de ler até bula de remédio, então, neste período aproveitei para ler e adquirir novos conhecimentos sobre o tema e assim me senti mais preparada para meu tratamento. Assim iniciei a primavera de 2017 carequinha, mas não menos confiante e nem menos agradecida de ter a chance de cura.

No período em que iniciei meu tratamento de quimioterapia no Hospital Nossa Senhora das Graças, conheci um Programa disponibilizado internamente chamado “Correio dos Anjos”. Fazer parte deste Programe me ajudou infinitamente. A cada sessão de Quimio eu escrevia a respeito de sentimentos e sensações trazidas pelo momento. As respostas chegavam em linhas de infinita sensibilidade, cuidado, zelo, incentivo, reconhecimento! Carinhosamente, ainda tenho guardado os três envelopes com palavras generosas que me foram imprenscindíveis. Definitivamente, escrever e ler foram terapias coadjuvantes em sessões quimioterápicas desgastantes.

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Minha mensagem

Sabe o ditado “bola pra frente”? Para mim, coube como uma luva. Desde a descoberta da doença, sempre foi importante manter o pensamento positivo. Repetia constantemente para mim mesma os três F’s, como um mantra diário que me ajudaram na jornada: Força, Foco e Fé.

A recuperação foi um desafio à paciência. Mas, sei que pelos próximos dez anos, e já se passaram três desde minha cirurgia, os cuidados deverão ser ainda maiores com exames de rotina, acompanhamento de uma equipe de médicos especialistas e com a disciplina de tomar o medicamento prescrito para evitar recidivas.
Aos poucos minha rotina foi retomada com meus inúmeros papéis. Plagiando o jornalista Chico Pinheiro, “é vida que segue”. Uma amiga me falou que o importante disso tudo é que mantive o “brilho no olhar”…mal sabe ela que eu nunca o perdi, pode ter ficado um pouco ofuscado, mas com certeza, agora já sinto que voltou renovado e com garra.

Hipólita Maria Senem