Conheça a história do otorrinolaringologista do HNSG, Dr. Mohamad Feras Al-lahham, que já foi um refugiado da guerra e hoje, no Brasil, exerce muito mais que a sua profissão.
25/03/2022
Por Mônica Neves
“Salvar vidas, tratar doenças e aliviar as dores dos pacientes é tão vital para mim quanto o ar que respiro. Não me imagino exercendo outra profissão”, diz o otorrinolaringologista do Hospital Nossa Senhora das Graças, Dr. Mohamad Feras Al-lahham. Do consultório médico ao campo de refugiados, Dr. Mohamed é um sobrevivente de guerra e hoje leva cuidado médico a campo de refugiados.
A medicina para ele é um sonho de infância, mas vai além disso. Também representa vocação e missão. Há exatamente 11 anos, Dr. Mohamed vivia com sua família e trabalhava na Síria, na cidade de Damasco, até que a guerra chegou na sua cidade natal. “A escola da minha irmã foi bombardeada e todos nós passamos a correr risco de morte. Tivemos, então, que tomar a decisão mais difícil de nossas vidas, sair da nossa terra e deixar tudo para trás – casa, clínica, sonhos, história, familiares e amigos – e recomeçar do zero num país estranho”, conta o médico.
Após o médico e sua família – mãe e quatro irmãos, tentarem refúgio em vários países, em 2013 vieram para o Brasil – único país que, segundo o médico, aceitava a sua família toda. A escolha da cidade, Curitiba, foi de toda a família. “Pesquisamos sobre a melhor cidade para morar”, relata Dr. Mohamad.
A chegada no Brasil foi um período bastante difícil, pois Dr. Mohamad ainda não poderia exercer a medicina. Precisava revalidar o seu diploma de graduação e especialização em otorrinolaringologia. “Durante os três primeiros anos, meu ar foi tirado de mim, o processo de revalidação dos diplomas foi longo e tortuoso, mas nunca desisti”, diz.
Para conseguir a revalidação do diploma, o médico teve que ficar longe de sua família. Viajou a vários estados e passou por muitas universidades, além de ter feito mais um ano de medicina como aluno no Hospital de Clínicas e universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Nesse período tive a oportunidade de conhecer mais a fundo a medicina brasileira”, comenta.
Mas com muita persistência, coragem e dedicação, Dr. Mohamed foi reconstruindo a sua vida. Em Curitiba, cidade escolhida para se tornar o seu novo lar e de sua família, ele fundou uma clínica, junto com seu irmão que é cirurgião dentista. “Nós já trabalhávamos juntos na Síria, onde também mantínhamos nossa clínica médica e odontológica. A Clínica Síria é uma homenagem à nossa origem e ao nosso país”, relata o médico que, também atende em sua clínica pessoas refugiadas e imigrantes em situação de vulnerabilidade. “Eu entendo o quão desafiador essa jornada é e, por isso, apoiar refugiados é um chamado forte dentro de mim. Eu sei o que é ser forçado a deixar sua vida e planos para trás e lutar para recomeçar do zero em um país estranho”, diz Dr. Mohamed.
Seguindo essa missão, em 2021, Dr. Mohamed iniciou um projeto de atendimento médico para refugiados, o projeto chama-se I Hear U, ou Eu te Escuto, em parceria com a Organização Círculos de Hospitalidade, que trabalha com pessoas refugiadas e imigrantes em situação de vulnerabilidade. O projeto é para ajudar pessoas que precisam de ajuda médica e não conseguem ser atendidas em nenhum lugar, por causa da burocracia, ou por causa da barreira da língua. “Tento a judar o máximo, porque já passei por issso, sei o que significa precisar de ajuda, ou às vezes, somente de alguém para te ouvir”, conta o médico. Os atendimentos acontecem nas modalidades online e presencial.
No final do ano passado, Dr. Mohamed aceitou um novo desafio. Viajou para Atenas, na Grécia, um dos principais portões de entrada de refugiados na Europa para participar de uma missão humanitária, que para ele foi uma experiência transformadora. Dr. Mohamed, no seu dia a dia, fazia a visita às famílias em contêineres, ouvia as queixas principais dos pacientes, passava as orientações do tratamento, entregava medicamentos e conduzia exames de audiometria. “Fui como médico a fim de prestar atendimentos em árabe, francês, inglês e português”, diz. Ao chegar lá o sentimento foi de tristeza e angústia. “Apesar da capacidade do campo ser para duas mil pessoas, haviam pelo menos o dobro vivendo lá, vindos da Síria, Iraque, Afeganistão, Somália, Congo e Angola, todos países devastados por conflitos e guerras”, afirma.
Para o acesso aos refugiados e a realização dos atendimentos, o médico recebia ajuda dos próprios refugiados que moravam no campo e que serviam de guia, levando-o às famílias que precisavam de tratamento médico. “Em outros casos, as pessoas me viam circulando com o colete humanitário e me paravam, para relatar seus problemas, médicos ou não”, conta.
Além de examinar fisicamente os pacientes e prescrever tratamentos e medicamentos, as demandas também incluíam cuidados com a saúde mental. “Mais que um médico que trata infecções respiratórias e do trato auditivo, oferecia meu ouvido e ombro amigo para escutar as pessoas. Fui psiquiatra também já que o principal problema deles era a depressão”, diz
Com todas as dificuldades, o que mais lhe chamou atenção foi a solidariedade e generosidade entre eles. “Ninguém fica sem teto ou sem comida e todos se ajudam, independente da nacionalidade ou religião. Presenciamos uma amizade e solidariedade que transcendem fronteiras e formam uma rede de apoio que ajuda as pessoas a atravessarem esse momento difícil”, conta.
Para Dr. Mohamed,seja no consultório, no ambulatório, no centro cirúrgico ou numa tenda em um campo de refugiados, todo paciente tem direito à vida e saúde, e a um tratamento com dignidade e respeito. “Aprendi muito com elas e tenho certeza que todos nós podemos aprender lições de vida com pessoas refugiadas. Essa vivência humanitária reforçou, mais uma vez, meu comprometimento e amor a medicina e a otorrinolaringologia”, diz. No Hospital Nossa Senhora das Graças, Dr. Mohamed faz parte do corpo clínico desde 2016.